← Todos os Ensaios

BIENAL DA MONGÓLIA - 4ª. Bienal Nacional de São Paulo, 1976

Texto encomendado pelo Jornal a Tribuna de Santos

Ao bom entendedor, meia ironia (ou piada) basta. “Bienal da Mongólia” é um conjunto de respostas dos visitantes da Bienal Nacional de Artes Plásticas ao trabalho Mapa Hominis, de autoria de Lourdes, (assim consta do catálogo da mostra). obra que consiste em um grande mapa do mundo, onde os visitantes devem responder às perguntas: “Quis est? Unde venis?”.

Onde o mapa indica a situação geográfica da Mongólia, um visitante escreveu “Bienal da ”, e circulou várias vezes a exoressão, envolvendo o nome daquela região. Este é um dos 1.300 trabalhos expostos, e provoca um aglomerado de pessoas curiosas e incansáveis na procura de novas ironias, há outras.

A ideia da artista não só provoca risos, como também leva o espectador à reflexão. Particularmente, à pergunta que mais incomoda e acaba com os risos: Se os Cr$ 600.000,00, que estão sendo gastos no empreendimento fossem endereçados às instituições que trabalham com os menos dotados, para que organizassem uma exposição, qual seria o nível da mostra?

Quem conhece os trabalhos da psiquiatra Nise da Silveira e seu Museu do Inconsciente, das APAEs (Associação de Pais e Amigos do Excepcional) e mesmo os da nossa SETA (Serviço de Estudos de Trabalhos Artesanais), certamente tem a resposta adequada. Quem não os conhece, que procure conhecer e depois visite a Bienal Nacional de Artes Plásticas, ou vice-versa.

POR FORA, BELA VIOLA

A musicalidade da composição formada pelos reflexos da porta de vidro, que dá acesso ao prédio confundindo e aumentando o número de visitantes, que aguardam sua abertura, com os funcionários que estão no interior do edifício, é evidente. Como plano superior desta composição constata-se que São Paulo ainda tem áreas verdes. Sem dúvida, uma obra natural merecedora de um grande prêmio em mostras do tipo Bienal.

Esta harmonia só é interrompida, quando se toma conhecimento de uma estrutura metálica que serve de suporte a uma placa onde se lê: “Bienal Nacional de Artes Plásticas – Congresso Brasileiro de Arquitetos – Exposição de equipamentos e materiais para construção e serviços urbanos – de 25 a 31 de outubro de 1976 – promoção do Instituto dos Arquitetos do Brasil – realização por Pini Congressos – projeto e montagem: Arquiprom”. Se as placas (há outra no interior do prédio) não estiverem mais lá, é porque alguém, consciente das confusões que aquele anúncio provoca, retirou-as.

A Bienal Nacional de Artes Plásticas está no 2º andar do prédio da Bienal, no Parque Ibirapuera, aberta até o dia 30 de novembro, de terça a domingo, das 15 às 22 horas, e para visita-la paga-se um preço de acordo com o status ou idade dos espectador: crianças até 10 anos de idade têm acesso livre; estudantes e crianças com idade entre 10 e 15 anos, pagam Cr$ 3,00 e adultos pagam Cr$ 5,00.

POR DENTRO, GARGALHADAS

O pão bolorento está na obra Interferências, de Guardiã e Dantas Jr., digna de análise atenciosa, porém uma ideia a ser lapidada. A maior gargalhada não existe mais, pois um grupo de jovens que se apresentou como “coordenadores do congresso” apressou-se tão logo o alarma soou – em retirar um cartaz colocado à entrada, onde uma agência de turismo anunciava: “Reservas – Hotéis – Excursões”. Outros alertas foram dados, com relação a uma oferta realmente tentadora: quatro projetores de slides, duas caixas acústicas, um amplificador e caixas pequenas com estampas de marcas famosas, de origem oriental, que estavam (esperamos estar empregando o verbo no tempo certo) ao acesso de qualquer um, numa sala que, imagina-se a apresentação de audiovisuais.

Sabe-se agora que o artista Joaquim Arino Duran procura dois de seus quadros, misteriosamente desaparecidos da exposição. O que é de estranhar é o número de policiais e vigias da própria Bienal, à disposição daquele único andar, e que assistem inertes ao tato mais curioso interferir numa obra que em hipótese alguma pede a colaboração do espectador. Ainda com toda esta confusão a Bienal consegue oferecer um pouco de humor, e se houver um prêmio para essa categoria, a taça será levantada pelos títulos que Reinaldo Eckenberger deu ao seu conjunto de bonecos de pano; dois deles: “Havaiana autêntica e falsa franciscana, na procissão do sincretismo bonecoídeo” e “Srta. Sociliana Turnera, cursando a última aula de nubente perfeita”.

Elgul Samad também estará na premiação dos espirituosos e hilariantes; ele ensina à dona-de- casa que, para pendurar lençóis no varal, é necessário um profundo conhecimento de desenho técnico e alguns ventiladores, transformando o que poderia ser um conceitual poético numa catástrofe.

OS PREMIADOS

Ainda não se sabe quem receberá os prêmios, porém se o julgamento levar em conta ideia, conteúdo, função e tratamento, sem qualquer ironia, os premiados serão: Subjetivo e Objetivo, de Augusto; Natureza morta, de Eduardo Albarello Filho e José Antônio Firmino; Interferências, de Guardiã e Dantas Jr. e Mapa Hominis, de Lurdes.

Ao artesão Bachier, pelo seu jogo de xadrez, e às aplicadas, belas e repetitivas obras de Odita Mestriner e Maria Tomaseli Cirne Lima, devem ser conferidas "menção honrosa". É tempo de colocar os pés no chão e encarar a Bienal como um veículo de comunicação visual intencional, o que implica clareza e objetividade na transmissão de mensagens. Os meios empregados para produzi-las não interessam, o importante é a somatória destes meios como produto compreensível.

É tempo de doar os olhos também, pois os cegos demoram muito tempo para recebe-los e, enquanto isso, desenvolvem, numa porcentagem bem maior do que os que vêem, o que chamamos de sensibilidade; mais tarde então, quando de posse de aparelhos visuais, aceitam mais facilmente que os conceitos de estética são em número relativo ao dos habitantes da terra, e constatar que as idéias do nosso tempo é que estão parcas, padronizadas e envelhecidas, ou talvez escondidas.