← Todos os Ensaios

Fotografia: O cosmo como limite

Texto publicado em "Atualidades Kodak"

“Nunca tente ser um artista; simplesmente faça seu trabalho e se ele for honesto se tornará arte”, disse o conhecido fotógrafo Duane Michals. Este era o pensamento que nos orientava, que, aliado à vontade de mostrar uma etapa de trabalho concluído, a um público mais abrangente do que o da academia onde nos conhecemos, nos levou a aceitar o convite feito pelo MIS – Museu da Imagem e do Som de São Paulo, para uma exposição coletiva que reuniu duas centenas das imagens mais representativas de nossas teses de mestrado, defendidas no Rochester Institute of Technology.

Jamais imaginamos que com aquela exposição estaríamos trazendo ao Brasil, de forma pioneira, um conjunto de imagens executadas em processos fotográficos alternativos, os quais, se conhecidos, só o eram de uma pequena parcela do público brasileiro e, somente através de livros.

Neste artigo comentamos alguns aspectos daquela mostra e expomos algumas de nossas idéias sobre fotografia.

“Trata-se de mostra coletiva onde os valores estéticos são explorados com intenso vigor, isto pelo uso que fazem seus autores de materiais e técnicas fotográficas sofisticadas e pouco convencionais que demandam, certamente, muita pesquisa e disciplina e que resultam em imagens que primam pela originalidade e criatividade...”, comentou o historiador e então diretor do museu, Boris Bossoy. E foi tal o impacto causado pela mostra que, ao final daquele ano de 1982, a exposição, em princípio destinada ao público paulista, havia percorrido o país de ponta a ponta, por solicitação de diversas entidades.

Selecionados pelo professor Charles Arnold, o grupo de expositores era composto por Jane Stevens, que apresentou impressões sobre chapas de alumínio fotossensível; Ron Talbot, de quem os trabalhos eram executados por meio de chapas eletrostáticas; Nelson Vigneault, que através de meios eletrônicos sofisticados exibiu fotografias de um rigor cromático ímpar e, completando o time, os trabalhos deste articulista, os quais conjugavam, de modo diversificado, processos históricos de impressão sobre superfícies inusitadas como linho e vinyl sintético. Dez trabalhos assinados pelo professor Arnold também compuseram o corpo visual da exposição.

A mostra trouxe uma nova perspectiva de visão, que se não mudou a “cara” da fotografia brasileira, modificou-a de maneira radical. E, a despeito do fascínio que provocou, não foi suficiente para sensibilizar a imobilidade que caracteriza o ânimo dos ortodoxos que literalmente, torceram o nariz.

Transcende em valor ao mais que tudo, conseqüente daquela exposição, seu poder indicativo de se estar ali tratando a fotografia, não como um meio que possibilita o simples registro de eventos, mas como um sistema de linguagem e, como tal, à medida que cresce, liberta-se de forma mais complexa, como tudo que é vivo.

Assim, movidos pela ação que gera ação reflexiva, olho no olho da máquina fotográfica, da vida e a vida que reproduz, atentos aos livros, às palavras de nossos mestres e através de um diálogo constante com nossas ferramentas de trabalho, reunimos um repertório ao longo de um exaustivo trajeto, que nos possibilitou acesso aos modos peculiares como tratamos nossas imagens, a tradução mais adequada que adotamos como teor descritivo que denunciasse nossos sentimentos relativos a uma experiência visual poética.

Imprimir fotograficamente sobre emulsões diversas não é magia, ainda que a prática de tais processos seja plena de resultados surpreendentes. Também não constitui novidade alguma, principalmente para aqueles conhecedores do desenvolvimento histórico da fotografia. É errôneo do mesmo modo encarar tais processos como meio de agilizar a atividade fotográfica, pois a prática dos mesmos requer razoável conhecimento de químicos, papéis e filmes, além de muita paciência, pois que lentos e artesanais; além do quesito mais imprescindível: saber em que direção sopram os ventos para que a embarcação das idéias não fique à deriva e venha, por fim, ser ancorada no ponto desejado.

Advertimos ainda aos interessados em aventurar-se por tais caminhos, que tal e qual o mundo das artes, a prática de tais processos não acena promessas de recompensa imediata ou futura, mas em nosso caso particular, a prática da alternância fotográfica lhe abrirá as portas de acesso à amplitude de seus conhecimentos históricos e o prazer do risco na tentativa de obtenção de uma imagem fotográfica literalmente única, fato que, sem sombra de dúvida, os levará a concluir que em fotografia, o advento mais revolucionário instalado pela Revolução Industrial, o cosmos é o limite.

Os trabalhos que exibimos no MIS/SP. além de guardarem a história de nosso esforço, são expressões visuais que engrossam as fileiras daqueles que cultivam o desejo atemporal e primitivo de nossa espécie, que ao marcar, registrar, desenhar, fotografar, persegue o fascínio da luz. Talvez em razão de que nela habitem os mistérios do conhecimento.

Gostaria de agradecer à Kodak pela oportunidade que me ofereceu em revisitar um passado.

Técnica: Kwik print sobre vinyl sintético

O método de impressão Kwik, muitas vezes confundido com métodos utilizados para teste de provas gráficas, resume-se na aplicação de emulsões fotossensíveis coloridas aplicadas sobre superfície vinílica com a utilização de esponjas de algodão puro e reveladas em água corrente. A fórmula que constitui a emulsão é atribuída à fotógrafa Bea Nettles que a comercializa e parece ser derivada do processo histórico de se imprimir sobre goma arábica ou “gum print”. Ambos processos requerem muita habilidade e paciência, pois para cada cor aplicada sobre a superfície que se deseja imprimir requer um emulsionamento, exposição à luz, revelação e acabamento individuais. E, no caso de uma variação cromática muito grande, muita atenção no registro dos diversos negativos que em nosso caso foram sobrepostos. É um processo que gera imagens de tiragem literalmente únicas. E, levando-se em conta que só a sensibilidade seu autor serve como bússola de orientação a indicar-lhe o momento de conclusão de um trabalho que poderá consumir vários dias, torna-se muito sedutor.

Técnica: Impressão marrom Van Dyck sobre linho selvagem

O processo popularmente conhecido como Van Dyck Brown Print ou ferrótipo é constituído pela aplicação de uma emulsão fotográfica constituída da combinação de nitrato de prata, citrato de ferro amoniacal e ácido tartárico. Os procedimentos de fotossensibilização e impressão são os mesmos descritos acima com a diferença que aqui, se exige uma fixação da imagem, a qual deve ser cuidadosa para não destruir a imagem impressa. No caso de nossa ilustração a imagem foi impressa sobre linho selvagem, pois a emulsão não aceita superfícies sintéticas.

A técnica do cianotipo é conhecida desde o principio do século XIX, e constitui-se da aplicação de uma solução química composta de ferricianeto de potássio e citrato de ferro amoniacal. Esta solução de propriedades fotossensíveis é aplicada sobre uma superfície porosa com um pincel largo de modo uniforme. Uma vez seca, esta superfície será exposta à luz em contato com a imagem que se deseja imprimir, para posteriormente ser revelada em água corrente. Na imagem aqui apresentada foram utilizados diversos negativos e materiais e máscaras.

Atualidades Kodak - ed. 23, julho/agosto de 1988.