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Fotógrafos que "fazem" as imagens

Por Stefania Brill

São frágeis as fronteiras entre a pintura e a fotografia. Olho de um fotógrafo, mão de um pintor? Cérebro e emoção. Cor, forma e estética se acoplam para criar a imagem. Na exposição atualmente no MIS (Av. Europa 158) – “Solos de Imagem – Visão Americana/Janelas Brasileiras”-, o substrato e as técnicas fotográficas são aplicados pelos autores não num trabalho de exploração gratuita , mas numa procura de aliar o tema e técnica ao “eu” do fotógrafo. As quaro teses de mestrado apresentadas no Instituto de Tecnologia de Rochester (RIT) levam a marca registrada de cada autor.

O espectador, depois de ter feito a primeira leitura, é impelido a questionar o porquê deste ou daquele suporte (papel, tela, xérox, chapa de alumínio) e a captar as diferenças da linguagem em função da técnica empregada.

“A acusação de louco (crazy) que usam os ignorantes para sufocar a criatividade deve ser considerada um título honroso. “Dentro do conceito deste manifesto de 1910, dos pintores futuristas, é bem “louco” o participante brasileiro da mostra, Luiz Monforte. “Louco”, logo criativo, na apresentação e conteúdo da tese. Para Luiz Monforte, vale tudo para fugir do convencional. Apanhar uma palavra jogá-la branca sobre a superfície preta. Palavra-imagem. Mesclar a letra e música de Caetano Veloso com os rasgos do edifício, com os rasgos da vida. Misturar o frio grafismo urbano com o orgânico, um saco de estopa que, fumaça e cortina, dissimula, desvenda e agasalha a imagem. Invadir o espaço com o Brasil presente, palpável através da música, letra, imagem, janela, gente, cor e...saudade, que brota de cada quadro.

As “fotos” de Luiz se assemelham às gravuras. O seu trabalho mostra a fragilidade do compartimentar, do rotular. Luiz, fotógrafo com uma visão plástica. Como traçar os limites desnecessários? Luiz, fazedor de imagem brinca com as formas a cores. Capta as janelas (percorrendo várias cidades brasileiras, apoderando-se da casa de Xica da Silva, debruçando-se sobre os muxarabiê) e coloca-as sobre a superfície emulsionada. Constrói capela ao colocar a figura do Cristo de Salvador sobre o altar feito de balcões que, encurvados, protegem a figura santa. Partindo de poucos negativos, constrói quadros com os fragmentos que se refletem, sobrepõem, adquirem cor.

Ao encontrar um suporte diferente (papel ou tela) ou ao adquirir a sua cor – azul, ocre, café, dourado, roxo (cianotipos ou emulsões pigmentadas -, as imagens despertam no espectador diversas emoções estéticas. Ela induz a refletir sobre a linguagem fotográfica. A sensação da forma puramente estética (quase cerebral; existe uma “emoção cerebral” ?) se transforma numa individual feita da percepção e lembranças. E o espectador, ao encontrar o olhar de uma vovó mineira, avô universal, desdobrada em cores e transparências, deixa-se arrastar numa tarefa iniciada pelo fotógrafo-artista plástico. Os óculos e agulha postos de lado (mas presentes no quadro), “montar” uma caixa de costura feita de pano emulsionado e costurá-lo” com imagens, cores, criatividade e... a memória do passado.

Branco e preto sobre uma chapa de alumínio emulsionada. É bem presente a visão fotográfica no trabalho de Janie Stevens, “Dança sobre Parede”. O enfoque da dança revela um cunho pessoal. Não é um parar do movimento, nem registro do corpo como um todo. A fotógrafa mergulha na essência da emoção do bailarino, concentrada no olhar, na mascara facial, no gesto das mãos. Os rostos parecem possuídos pelo espírito da dança, emocionantes. E quando a dançarina (na foto que fecha o ensaio) pára e se afasta do palco, a alma da dança escapa do seu corpo, tornando-o frágil e calmo. Humano.

Charles Arnold Jr., orientador dos recém-mestres apresenta os xerox obtidos a partir do contato direto dos objetos com a face de registro da máquina. A escolha dos objetivos é arbitrária. Os critérios de seleção são baseados sobre as propriedades tácteis, a elegância de forma e cor. Seriam “rayogramas” transformados em “xero-gramas” estáticos. O aprimoramento da técnica é tal que desaparece o caráter anônimo deste meio de reprodução, fazendo pensar num trabalho artesanal dotado de um “eu” individual.

São descargas elétricas, chapas de selênio, máquinas fotográficas de grande porte que concluem em trabalhos sobre papel, onde os rostos, ao perder o contorno fotográfico, parecem esboçados a lápis-carvão. (Ron Talbott). É um Bacon fotográfico, calmo, sem grito no confronto de um rosto com a trama quadriculada emprestada de algum trabalho de Muybridge.

Apaixonado pelas cores e natureza, o canadense Nelson Vigneault apresenta uma série de paisagens, pequenas obras-primas de estética. Usando os negativos e transparências coloridas, e o processo de separação de cores por raios laser, Vigneault obtém imagens que parecem miniaturas preciosas. Com os contornos “entalhados” (provavelmente devido á justaposição dos negativos e positivos, de densidades diferentes) e as formas vestidas de cores monocromáticas ou fragmentadas em nuances, as imagens transformam a natureza em “estampas dos antigos papéis de parede” Natureza? Estampa? Pouco importa. O fato é que Vigneault consegue transformar o real no mágico e envolve o espectador num mundo belo, encantado, colorido. São fazedores de imagem, os cinco fotógrafos presentes no MIS. Eles redescobrem as técnicas antigas (cianotipo, processo Van Dyck Brown) e descobrem as novas (xérox, raio laser). Misturam uma pequena dose de realidade com uma grande de “eu” artístico e criativo para que o espectador, diante deste coquetel visual, pare, pense e sinta o fotógrafo e a sua obra.

Fonte: in: Bril, Stefania. Fotógrafos que ‘fazem‘ as imagens. O Estado de São Paulo.