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Sobre Impressões

Por Giorgio Giorgi Jr.

Luiz Monforte inscreve-se no restrito grupo dos artistas que conseguem refletir sobre seu trabalho com o mesmo rigor e competência que exibem ao construí-lo.

O êxito investigativo e analítico atingido com sua tese de doutorado, trabalho teórico-prático voltado ao universo da alegoria, abriu-lhe finalmente as portas para uma consagração há muito merecida, reafirmada pelas premiações internacionais que recentemente lhe foram atribuídas.

Podendo contentar-se em lapidar preciosidades insinuadas em sua tese, Monforte repentinamente toma de assalto a pista oposta: a alegoria (e sua onipresente referência semântico-verbal) dá lugar a um percurso artístico/intelectual na mesma direção, porém com sentido inverso, (des)construído a partir da gráfica publicitária.

Pertencente a uma manifestação artística na raia do consumo, o discurso publicitário caracteriza-se como uma espécie de retórica da persuasão, articulada de conformidade com a faixa repertorial (enquanto sensibilidade e conhecimento) do público a que se destina.

O signo publicitário, seja qual for o suporte e a correlata linguagem, aponta, sempre, para algo fora dele próprio, alvo que lhe define a estrutura semântica, ou seja, seu significado. Nas particularidades dessa distância entre o dentro e o fora do signo reside a definição repertorial da mensagem publicitária.

Neste contexto, a inversão empreendida por Monforte corresponde à dessemantização crescente (por vezes ao limite do irreconhecível) dos signos impressos, os quais deixam de apontar para alhures e passam a voltar-se, preponderantemente, sobre si próprios. Impressões-sobre virando sobre-impressões. Semântica migrando para sintaxe. Significado desmetamorfoseando-se em materialidade (forma). Do consumo para a produção. Do facilmente reconhecível, para o ambíguo e enigmático.

A estratégia recorrente é a da decomposição e posterior recomposição. A mensagem publicitária é dissecada até a descoberta e apropriação de um fragmento cujas particularidades sintáticas (e, eventualmente, semânticas e simbólicas) permitam alçá-lo à condição de módulo. Da multiplicação e posterior arranjo destes módulos, articula-se a nova trama significativa almejada.

Assim, modulação e multiplicação, dois dos principais paradigmas da revolução industrial, são resgatados, o mesmo se dando com um dos principais aspectos da saga da produção artística (artesanal) sob o impacto da industrialização: o paulatino deslizamento hierárquico do tema para o suporte.

Completando o percurso, o embate entre artesanato e industrialização comparece, também, na oposição entre prelo (imagens, digamos, originais) e “off-set” (reproduções em forma de livro).

Uma vez armado este jogo entre produção artística no âmbito do artesanato e no da indústria, bem como no da produção e do consumo, nada mais pertinente do que dedicar um segmento deste livro à memória de Bruno Munari.

Auto definido como “artista e designer”, trata-se, na verdade, de um designer da linguagem na acepção mais ampla do termo, com invejável controle da estrutura de organização das inúmeras formas de expressão pelas quais transitou, desde o universo infantil até as experiências ditas de vanguarda, da comunicação visual ao desenho de produto, sempre com a mesma desenvoltura e competência, devidamente temperadas com um delicioso senso de humor . Controle e segurança que, associadas à sua insaciável curiosidade, permitiram-lhe ser receptivo a toda a sorte de novos suportes a investigar, sempre consciente da necessidade de não separar o que se faz do como se faz, ou seja, não separar conteúdo de forma.

Nos anos 60, McLuhan já havia confortado os apocalípticos de sempre, alertando-os para o fato de que cada novo meio recupera o anterior na forma de arte. No momento em que presenciamos, fascinados e atônitos, os primeiros capítulos da era digital, trabalhos como os de Luiz Monforte apropriam-se da gráfica publicitária em “off-set” e a transformam em território propício à investigação artística.